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A população quilombola do Brasil - os últimos vestígios da cultura escrava do país - está enfrentando dificuldades crescentes em várias frentes, desde a propriedade da terra até o acesso a serviços básicos. Há um reconhecimento generalizado de sua situação, mas os funcionários públicos e outros tomadores de decisão sofrem de uma compreensão profunda dos problemas enfrentados por essas comunidades rurais remotas formadas por escravos fugitivos. Onde os esforços anteriores de forasteiros falharam, Josilene (Jo) traz sua própria compreensão das questões como quilombola deslocada, oferecendo uma nova visão e incorporando aspectos da sociedade e cultura quilombolas no desenvolvimento de soluções sociais adequadas e duradouras.
A bisavó de Jo era escrava em uma fazenda no estado do Maranhão, no norte do Brasil. Após a abolição, sua família recebeu o título da terra onde vivia. Por ser analfabeta, porém, sua família foi enganada por fazendeiros para assinar um documento que transferia as terras para uma família rica da região. Como resultado, a família de Jo deixou a terra e foi dividida. No processo, seu senso de identidade étnica e cultural foi destruído. Jo nasceu em uma comunidade negra e cresceu como um quilombola desalojado, sofrendo em primeira mão os efeitos desse processo de desintegração familiar e cultural. Desde muito cedo, ela se deu conta da discriminação racial e da realidade enfrentada pelos afro-brasileiros, e conheceu os movimentos sociais negros aos 12 anos. Mesmo assim, por causa de sua formação quilombola, ela sempre se sentiu afastada da experiência negra dominante no Brasil. Depois de conhecer a própria história de sua família, Jo se dedicou a estudar e trabalhar com as comunidades negras de seu estado de origem, o Maranhão. Grande parte de seu tempo tem se dedicado ao trabalho com crianças quilombolas na esperança de resgatar e preservar os valores e a identidade dessa população amplamente ignorada e incompreendida. Em 1996, mudou-se para a capital São Luís e trabalhou por dois anos como secretária executiva do Ministério da Saúde Popular, onde formou lideranças populares em questões de saúde e direitos. Ela também aconselhou o Movimento das Quebradeiras de Coco, treinando e pesquisando questões de desenvolvimento, meio ambiente e gênero. Desde então, ela tem trabalhado mais ativamente para fortalecer o desenvolvimento socioeconômico das comunidades quilombolas, preservando sua identidade e modo de vida únicos.
Jo está trabalhando para diminuir o impacto do deslocamento e da pobreza dos quilombos do Brasil. Como uma quilombola deslocada, Jo aborda o problema com uma compreensão única da cultura quilombola e dos tipos de soluções sociais necessárias para melhorar sua condição. Ela está fazendo campanha para mudar a percepção sobre os quilombos entre o público e o governo e propor estratégias inovadoras para tirar essa cultura da pobreza e ao mesmo tempo preservar sua cultura única. Enquanto outros grupos, incluindo afro-brasileiros e agricultores sem terra buscam a redistribuição de terras por meio da doação de lotes individuais para agricultores individuais, a propriedade coletiva tradicional do quilombo requer uma abordagem mais personalizada para a reforma agrária. Jo está usando os grupos indígenas do país, cujas tradições também veem a terra como propriedade comunal, como uma referência legal e política para que políticos e legisladores lidem de forma eficaz com as questões do subdesenvolvimento dos quilombos. Mais importante, seus esforços visam criar condições dentro dos quilombos para que os residentes possam permanecer em suas comunidades em vez de migrar e continuar na espiral insustentável de deslocamento e desespero. Jo combina seu trabalho de nível macro na reforma agrária e outros empreendimentos de políticas públicas com uma série de esforços profundamente locais para envolver os quilombolas em seu próprio renascimento cultural e econômico. Ela criou brinquedotecas, ou espaços lúdicos, que catalisam uma série de processos de mudança social e esforços de organização da comunidade para combater uma série de problemas, desde o analfabetismo à falta de assistência médica. Essas brinquedotecas, que dependem da garantia dos direitos básicos à terra, ajudam a fortalecer a identidade quilombola e estimulam os descendentes de escravos fugitivos a elevar a qualidade de vida de suas comunidades. O trabalho de Jo também envolve a recuperação de uma identidade quilombola distinta e a canalização dessa distinção cultural para uma melhoria econômica viável. Ela reforça o orgulho das tradições quilombolas ao criar linhas de produtos com base na herança da comunidade, conhecimento cultural e recursos naturais. Dessa forma, o conhecimento e o artesanato quilombolas não apenas recuperam seu valor cultural erodido, mas se tornam ativos econômicos para a geração de renda tão necessária.
Os quilombos, um legado dos quase 400 anos de escravidão oficialmente sancionada no Brasil, eram comunidades agrícolas clandestinas fundadas nas profundezas do sertão brasileiro, principalmente por negros que conseguiram escapar da escravidão. Com uma estrutura socioeconômica semelhante à das aldeias africanas, essas comunidades remotas já foram enclaves prósperos que representavam liberdade e autonomia para os milhões de escravos trazidos para o Brasil por meio do comércio atlântico de escravos. Na era colonial, os quilombos estavam sob constante ataque como uma ameaça à lei e à ordem. Depois que a escravidão foi abolida no final do século 19, as comunidades foram agrupadas com terras dadas a ex-escravos, concedidas para serviços em guerras, deixadas por ordens religiosas ou compradas por escravos libertos. No entanto, nenhuma providência foi feita para fornecer aos quilombos a infraestrutura mínima necessária para seu desenvolvimento ou para proteger os direitos de seus habitantes. O resultado tem sido uma lenta deterioração das comunidades, exclusão do resto da sociedade brasileira e um êxodo de habitantes em busca de oportunidades de vida melhor nas áreas urbanas do Brasil. Os quilombos hoje subsistem em condições de extrema pobreza. A maioria não tem escola, falta saneamento básico e serviços de saúde e é acessível apenas por trilhas mal conservadas. Apesar de uma série de leis para conceder títulos a territórios quilombolas, apenas 29 têm esses direitos totalmente garantidos. Décadas de negligência resultaram em falta de empregos, aumento do alcoolismo, migração de jovens para cidades maiores, índices de analfabetismo de até 87% e queda da autoestima entre os membros desses outrora orgulhosos símbolos da resistência negra à escravidão. Nos últimos anos, os quilombos têm recebido muita atenção do governo, mas as tentativas de resolver seus problemas mais urgentes têm tropeçado porque foram concebidos e liderados por não quilombolas. Os esforços dos tecnocratas do governo para resolver os problemas dos quilombos têm sido prejudicados por sua falta de clareza sobre os aspectos básicos da cultura e organização social dos quilombos e pela confusão burocrática sobre como categorizar essas comunidades e seus problemas.
Jo entende que os problemas dos quilombos não serão resolvidos agrupando-os com o grande Movimento dos Sem Terra do Brasil, ou outros movimentos afro-brasileiros ou grupos rurais que reivindicam direitos de propriedade, serviços básicos e oportunidades. Em vez disso, ela usa os grupos indígenas do Brasil, cujas tradições vêem a terra como propriedade comunal, como uma referência para como resolver a questão do subdesenvolvimento, pobreza e deslocamento dos quilombos. Sua estratégia depende em parte de fazer com que as autoridades e outras pessoas comecem a ver os quilombos sob essa luz como uma pré-condição para resolver uma série de problemas sociais dentro das comunidades. Jo tem trabalhado com organizações quilombolas em nível estadual e nacional para aprovar legislação de direitos à terra e pressionar pela aplicação da terra e outras leis destinadas a proteger os direitos das pessoas que vivem nessas comunidades cultural e historicamente importantes. As brinquedoedotecas são o centro da sua estratégia. São uma forma de chamar a atenção para a questão da terra e dos direitos de propriedade nos níveis local e nacional, bem como para incutir nas crianças quilombolas, por meio de brincadeiras, um maior apreço por sua própria cultura, tradições e valores. Ao envolver essas crianças desde muito cedo e prepará-las para a escola, ela está reduzindo a incidência do trabalho infantil na comunidade e lançando as bases para a criação de uma nova geração de quilombolas que estará mais bem equipada do que seus pais e avós para resolver problemas e melhorar a qualidade de vida de suas comunidades. As brinquedotecas também dão vida a outros processos sociais, formando comitês de pais e líderes que se tornam administradores não apenas dos centros de recreação, mas também do bem-estar físico e social geral de sua comunidade. Esses comitês mapeiam sua paisagem social, investigando taxas de vacinação infantil, frequência escolar, condições de trabalho infantil e outras áreas de bem-estar infantil e comunitário. Depois de delinear as condições atuais, eles trabalham com famílias em toda a comunidade para criar um novo mapa - um que detalha a visão coletiva de como a comunidade deve ser. Em seguida, aproveitando o espírito coletivo que está na base da sociedade quilombola, eles projetam e embarcam em um processo passo a passo para tornar essa visão uma realidade. Por fim, Jo está ajudando a construir a viabilidade econômica dos residentes dos quilombos aproveitando seus recursos culturais e experiência. Ela organiza mulheres quilombolas para criar linhas de produtos étnicos relacionados aos recursos naturais disponíveis para as comunidades. Esses projetos de geração de renda incluem costura de abelhas, artesanato com fibras de folha de bananeira e produção de sabão e óleos vegetais. Os produtos são vendidos em mercados próximos. Essa faceta da estratégia de Jo nutre o orgulho e a auto-estima dos residentes e gera uma renda extremamente necessária para as comunidades. Jo também está trabalhando para instituir um currículo de quilombo nas escolas das comunidades, com o objetivo de aumentar a consciência e o orgulho dos alunos por sua própria cultura e tradições. Sua visão de onde os quilombos se encaixam na experiência mais ampla dos afrodescendentes na América Latina torna sua metodologia exportável para outros países da região, e ela já está estabelecendo vínculos com populações negras na América Central e do Sul.