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Márcia Ventura Dias reintegra crianças de rua na sociedade, oferecendo alternativas seguras à situação de rua e apoiando-as em abrigos que as ajudam a enfrentar seus traumas do passado. Ela trabalha para humanizar as crianças aos olhos da sociedade e influenciar as instituições públicas a criar novos modelos de acolhimento de crianças em situação de risco.
Márcia se inspirou na mãe, uma indígena paraense, que criou cinco filhos sozinha. A mãe sempre deu ênfase à educação e por isso, ao contrário dos colegas, Márcia e seus quatro irmãos concluíram o ensino médio e cursaram a universidade. O sacrifício que sua mãe fez para educá-los inspirou Márcia a dedicar sua vida à educação de outras pessoas. Em 1964, após se formar em pedagogia, Márcia deu continuidade aos estudos, especializando-se no aconselhamento de crianças com transtornos múltiplos. Márcia começou a trabalhar no Centro Educacional Pingo D’Água, uma escola para crianças com transtornos como o autismo. Como diretora do CEPA, Márcia expandiu a escola para crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, colocando em prática a teoria psicológica. Na década de 1990, Márcia participou da criação do Estatuto Nacional da Criança e do Adolescente, hoje a base dos direitos da criança no Brasil. Em 1992 foi eleita presidente da comissão para a criação dos Conselhos Tutelares, os conselhos comunitários agora responsáveis pela aplicação do estatuto. Embora esses Conselhos Tutelares trabalhassem para proteger os direitos dos jovens, Márcia ainda sentia que comunidades marginalizadas, como crianças de rua, continuavam a receber pouca ajuda do sistema. Em 1993, Márcia criou a Santa Fé, uma organização da sociedade civil que busca formas alternativas de melhorar a vidas de crianças de rua. Em parceria com diversas entidades, Márcia lançou “Árvore de Natal”, aulas de arte-educação para meninos de rua. Depois de apenas 23 dias, a equipe começou a ver mudanças na vida das crianças, e uma redução drástica de roubos no centro da cidade onde aconteciam as aulas. O sucesso do projeto inspirou Márcia a encontrar uma forma mais permanente de dar a essas crianças uma forma de aproveitar a infância e sair da rua. Nessa época, ela desenvolveu a Escola Ambulante e lançou suas casas para meninos de rua. Pela metodologia que desenvolveu, Márcia conquistou o reconhecimento da administração municipal e do Estado de São Paulo. Recebeu prêmios nacionais, incluindo “Melhor Tecnologia Social” do Banco do Brasil.
A Escola Ambulante da Escola Móvel de Márcia para crianças de rua utiliza espaços públicos para oferecer atividades educacionais e extracurriculares a crianças de rua em um programa de 30 dias. As escolas dão às crianças uma chance, rara em suas vidas difíceis, de aprender e se divertir. O espaço público permite aos transeuntes humanizarem a percepção dos meninos de rua, um passo importante para reverter os estereótipos negativos. Por meio da escola, Márcia conhece os meninos de rua e o contexto em que vivem, construindo relações que lhe permitem eventualmente introduzi-los em seus lares. Em três casas obtidas junto ao governo, Márcia atende crianças e familiares em suas necessidades, com foco em terapia e autoajuda. Atualmente, Márcia está replicando a metodologia para essas residências em caráter experimental com o Sistema Brasileiro de Detenção de Menores. Se o novo modelo der certo, sua metodologia pode se tornar o padrão em todo o Brasil.
Milhares de crianças vivem nas ruas no Brasil depois de fugirem de traumas em suas casas: abuso físico, vizinhança violenta, uso de drogas pelos pais e sistemas de apoio inadequados. Vivendo nas ruas, essas crianças costumam encontrar problemas mais sérios do que aqueles de que tentavam escapar. Eles são forçados a crescer muito rápido pela simples necessidade de sobrevivência. Sozinhos, sem ninguém em quem confiar ou em quem confiar, muitas dessas crianças se voltam para as drogas, a prostituição e o crime. A sociedade brasileira tornou-se complacente com o grave problema das crianças de rua. Em vez de serem vistos como perdidos e solitários, os meninos de rua são vistos como delinquentes e criminosos. Aos olhos da sociedade, eles deixaram de ser crianças e são considerados responsáveis por suas atividades desesperadas como se fossem criminosos adultos. As meninas na rua muitas vezes engravidam por causa de estupro, prostituição ou apenas em busca de afeto humano. As mães adolescentes não sabem como criar os filhos nem têm meios financeiros para os sustentar. Isso perpetua um ciclo de pobreza e violência através de gerações de famílias de rua. Programas de alta qualidade para ajudar crianças de rua nas cidades do Brasil são quase inexistentes. Os abrigos acolhem crianças, vítimas de abusos ou violência, encaminhadas pela justiça nacional. Crianças de rua que cometem crimes menores são presas e confinadas na Fundação do Bem Estar do Menor (FEBEM), o Sistema Brasileiro de Detenção de Menores. A FEBEM não educa nem ajuda a reabilitar crianças com problemas com a lei. Em vez disso, é bem conhecido por seus maus tratos às crianças e várias violações dos direitos humanos. Na FEBEM, essas crianças são abusadas e obrigadas a viver em condições precárias, sem se preocupar com seu bem-estar físico ou mental. Não se presta atenção em ajudar as crianças a lidar com seu passado ou quaisquer traumas que possam ter sofrido. Com isso, após a permanência na FEBEM, as crianças ficam ainda mais prejudicadas, sem ideia de como atuar na sociedade. Eles voltam às suas antigas vidas de violência, abuso de drogas e prostituição endurecida e com um senso de autoestima ainda menor.
Márcia acredita que, para ajudar os meninos de rua, é preciso primeiro conhecê-los, entender seus problemas e criar um lugar onde possam curtir a infância. Márcia criou a Santa Fé, uma organização dedicada a ajudar crianças de rua e mudar a percepção negativa da sociedade sobre crianças de rua que só perpetuam sua exclusão social. Por meio da Santa Fé, Márcia desenvolveu a Escola Ambulante, que oferece um espaço onde crianças de rua podem aprender e brincar e permitir que a sociedade as veja como as crianças que são. Antes de iniciar seu programa, Márcia, em parceria com a Universidade de São Paulo, realizou um estudo etnográfico da região para conhecer melhor a área e estabelecer parcerias estratégicas com outras organizações para melhor atender às crianças. Praça da Sé, principal praça pública situada no coração de São Paulo, foi a primeira sede da Escola Ambulante. Era acessível às crianças de rua porque muitas delas moravam ali e era visível para o grande grupo de pessoas que passava constantemente pelo centro da cidade. Com recursos da prefeitura e de diversas empresas, Márcia transformou a praça de um local de descanso de moradores de rua em um espaço clean onde a Escola Ambulante poderia oferecer diversas atividades às crianças, incluindo aulas de leitura, música, teatro, dança e arte. Durante as aulas, Márcia e sua equipe conversaram com as crianças para saber de onde vieram e por que vivem na rua, suas esperanças e sonhos e atividades gostosas. Márcia não se contentava em apenas dar aos filhos um espaço para aprender e brincar. Ela sabia que para esse programa sobreviver e para que novos programas se desenvolvessem, ela tinha que provar que as crianças de rua precisavam de atenção e ajuda. Márcia então começou a trabalhar com as famílias das crianças. Quando soube sobre parentes que moravam na região, foi visitá-los e convidou-os a ir à escola para ver o que seus filhos estavam fazendo. Ela percebeu que era importante para as famílias ver os filhos se divertindo e sendo apenas jovens. Os transeuntes na área também puderam ver essas crianças interagindo de maneira positiva. Durante a sessão, a escola reduziu a violência, o roubo e o uso de drogas na área. A Escola Ambulantes de Márcia atendeu até agora 279 crianças diretamente, além de muitos de seus familiares. Márcia continua dirigindo a Escola Ambulantes periódica, cada uma com maior grau de aceitação e sustentabilidade. A próxima Escola Ambulante será financiada pelo município de São Paulo e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Ao final da primeira Escola Ambulante, Márcia percebeu que para essas crianças sua saída seria apenas mais uma instância de abandono de adultos. Ela começou a negociar com o governo para obter casas que pudesse usar como abrigo para as crianças. Em 1998, Márcia recebeu três casas: Minha Casa, para crianças de até 12 anos; Casa Juventude, para crianças de 13 e 14 anos; e Meninas Mães, para mães adolescentes. Embora as casas tenham regras de idade, nenhuma das crianças é expulsa antes de estar pronta. Márcia convenceu a Justiça a permitir que adolescentes ficassem em suas casas até os 21 anos de idade. A metodologia dos abrigos, denominada De Volta para Casa, baseia-se em conhecer as crianças pessoalmente, com foco em suas necessidades individuais, e capacitando-os para tomar decisões individuais e coletivas. Muitas vezes vítimas de abuso físico e sexual, muitas crianças precisam de terapia para ajudá-las a lidar com seu passado. Para atender a essa necessidade, Márcia e sua equipe trabalham com um psiquiatra para criar um ambiente seguro para as crianças se abrirem e começarem a enfrentar suas experiências traumáticas. Para lidar de forma cabal com os problemas de abandono e outras dificuldades, Márcia assessora toda a família por meio do programa “Mudando a História”. Ela trabalha com mães abusivas para reconstruir seus relacionamentos com seus filhos. Sob supervisão de membros de sua equipe, os familiares podem visitar seus filhos. O objetivo final desse programa é reconstruir a confiança e reunir as crianças com seus familiares. Márcia e sua equipe de educadores proporcionam às crianças a educação básica de que precisam para se reinserirem na escola. Em 2004, 97% dos residentes de suas casas foram aprovados nos exames escolares e, por meio de várias parcerias, ela conseguiu financiamento para oferecer cursos extras, como inglês e treinamento técnico. Para completar o ciclo de reinserção dos jovens, recentemente Márcia criou a “Usina Cultural” que visa permitir a geração de renda por meio da produção de artesanato. Com terapia, educação, saúde e outras despesas gerais (alimentação, roupas, etc), o trabalho de Márcia no abrigo custa R $ 2.000 por criança por mês (aproximadamente US $ 1.000), em comparação com os R $ 1.200 de outros abrigos. Mesmo assim, seu custo é inferior aos R $ 3.200,00 que custa à instituição pública FEBEM manter uma criança presa a cada mês. Cinquenta por cento de seu custo é coberto pelo estado e os outros 50 por cento vêm de doações de empresas como a Petrobras e o Banco do Brasil. O sucesso de seu trabalho levou o estado de São Paulo a adotar seu modelo como padrão para todos os seus abrigos. Márcia pretende estender sua metodologia transformando a FEBEM. Ao contrário dos esforços anteriores para mudar a FEBEM por dentro, Márcia acredita que o sistema deve ser totalmente destruído para permitir a criação de uma nova instituição que proporcione às crianças a ajuda terapêutica, educacional e social de que precisam. Em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), a Secretaria de Saúde e a diretoria da FEBEM, Márcia integra a equipe de construção de um modelo alternativo para a FEBEM. Ela foi contratada para trabalhar com o departamento de psicologia da UNIFESP para implementar sua metodologia na “Nova FEBEM” para maximizar a reabilitação dos jovens. A unidade experimental, concluída em 2007, terá espaço para 40 adolescentes e, se for bem-sucedida, poderá ser modelo para a reconstrução do sistema de detenção juvenil de São Paulo e do Brasil.