O educador e diretor de teatro Mauricio Leite empolga o aprendizado e o mundo das ideias, mesmo em regiões remotas da Amazônia. Seu Projeto Mala tem sucesso em áreas isoladas onde caras campanhas de alfabetização falharam, principalmente porque ele oferece aos professores meios atraentes e métodos simples para tornar o aprendizado divertido.
Bibliotecas populares e grupos de teatro parecem brotar por onde Mauricio vai, como se um mágico Johnny Appleseed da mente tivesse passado. Ele é um contador de histórias em praças públicas, um ator e titereiro com o teatro em seu sangue. Como um adolescente inquieto, ele barganhou com seu pai para frequentar um curso preparatório de ensino à tarde, onde ele era o único homem entre 400 alunos. O lado paterno era que ele frequentava a escola militar pela manhã. Sua criatividade floresceu apesar das regras militares pela manhã e das tarefas nada inspiradoras à tarde, como fazer capas decorativas para caixas de absorventes internos. Ele se aventurou no teatro durante esses anos e aos 15 começou um programa de variedades no rádio. Ele se dava bem com seus professores, se saía bem na escola e ganhou uma bolsa de estudos em uma universidade carioca. Ele se inscreveu no primeiro programa de graduação em educação artística do Brasil e estudou todos os cursos oferecidos. Ao se formar, voltou para sua cidade natal, Cuiabà, e começou a lecionar teatro em uma escola secundária. No primeiro semestre, Mauricio ajudou seus alunos a escrever e encenar a primeira peça da escola, uma paródia do sistema educacional. Criou tal agitação que o recém-nomeado Ministro de Estado da Educação fez questão de ver a peça. No dia seguinte, o ministro contornou a cadeia de comando da escola para demitir pessoalmente Mauricio. Os alunos de Mauricio lá ainda falam dele com grande admiração. O estilo do Mauricio não é convencional porque o convencional não funcionou em Mato Grosso. Ele conhece pessoalmente o educador brasileiro Paulo Freire e está bem fundamentado nas teorias educacionais de Montessori, Piaget e outros. Mas ele não encontra nada sagrado em qualquer metodologia e pode jogá-los todos de lado para obter resultados. Mauricio usa gibis, livros sem palavras, contos populares e arte de todos os tipos para fazer as pessoas lerem. Um de seus livros a ser publicado em breve é na verdade um conjunto de cartões do alfabeto de quadrinhos onomatopeia, uma pesquisa meticulosa de "aargh" a "zap" nos quadrinhos em todo o mundo. Ele mostra como os leitores podem brincar com os sons, alongando-os, dizendo-os embaixo d'água etc. Diz o Maurício: “Não é um livro, é uma aula”.
Crianças que vivem em situações de estimulação intelectual limitada podem se tornar alunos ansiosos quando seus professores dão "aulas que não parecem aulas", diz Mauricio. Ele faz circular "malas" de literatura infantil cuidadosamente selecionada, maquiagem teatral, fantoches, fitas de áudio e gravadores entre escolas isoladas no estado amazônico de Mato Grosso. Maurício tem observado em campanhas de alfabetização que apenas colocar materiais, por mais brilhantes que sejam, nas mãos dos professores não garante o sucesso. Então, ele viaja para mostrar aos professores em suas salas de aula, com seus alunos, como encenar histórias e usar os materiais da mala de forma criativa. Nessas sessões, Maurício incentiva as crianças a ensinarem seus professores a brincar. Por sua vez, a brincadeira dirigida atrai os alunos para o campo da literatura e, consequentemente, para a leitura e a escrita. Por meio dos contatos da cidade e das redes de alfabetização, Mauricio continua descobrindo novos materiais e o melhor da literatura infantil de todo o mundo para reabastecer as malas. A alfabetização é uma meta mensurável do Projeto Mala. Os alunos leem até 120 livros por ano para se divertir. Mas, como diz Mauricio, “não basta ensinar as pessoas a ler, queremos dar às pessoas a sede de conhecimento.” O projeto também tem objetivos holísticos que incluem maior autoconsciência e respeito à cultura e ao meio ambiente locais. Por exemplo, cada mala contém um espelho, aparentemente para aplicar maquiagem de palco, mas também para permitir aos alunos pobres a rara experiência de olhar para si mesmos. Os pais fornecem joias valiosas da cultura local e pedaços de história. As pesquisas por materiais de arte resultam em caminhadas pela natureza ou na reciclagem de lixo. Os alunos ajudam a manter o Projeto Mala em andamento em uma oficina apoiada pelo UNICEF, onde constroem as malas de madeira e produzem brinquedos tradicionais brasileiros destinados aos mercados da cidade.
No Brasil, tentar promover a leitura por prazer é terrivelmente difícil, pois, como aponta Mauricio, muitos professores não sabem ler. Isso é especialmente verdadeiro em estados da Amazônia como Mato Grosso, onde Mauricio implementou o Projeto Mala. “Pessoas qualificadas não vão para essas áreas”, diz Mauricio. "Eles ficam ao longo da costa. Não há conforto. Pode haver uma cobra debaixo da sua cama, e o pagamento é muito pequeno." Além disso, a violência que caracteriza grande parte da Amazônia pode tornar o trabalho perigoso. Além de tais entraves à educação, Maurício também envergonha os pobres da Amazônia sobre seus costumes locais e modos de falar. Agora a televisão atinge o interior do Brasil com seu efeito homogeneizador sobre as culturas, e novas ondas de imigrantes do sul chegam em caminhões, comprando grandes extensões de terra e ameaçando a autoestima e as culturas locais. A queima da Amazônia é notória e uma preocupação global muito discutida. Desenvolver a consciência ambiental entre seus moradores é pré-requisito essencial para a mudança e parte integrante do pacote da Mauricio. Um grupo de seus alunos escreveu recentemente uma carta perturbadora argumentando que suas famílias precisavam cortar e queimar clareiras na floresta - na época, a carta datava de 1930, o ano em que seus antepassados chegaram ao Mato Grosso.
A paixão de Mauricio pela educação ultrapassa os preconceitos nacionais, ideológicos e metodológicos. Ele usa tudo o que funciona. Cada uma das agora 50 malas contém 30 livros infantis de várias idades e níveis de habilidade, junto com ajudas para animá-los. Escolas de diferentes municípios do Mato Grosso fazem o rodízio das malas, cada turma fica com uma mala por dois meses e depois a troca por outra. No final do ano letivo, apesar das estradas florestais que se transformam em lama intransitável por semanas a fio, os alunos leram e desfrutaram de 120 livros de alta qualidade e muito diversos, um número excepcional em qualquer sala de aula. Um fator para o sucesso do programa é certamente o conteúdo da mala, que reflete a habilidade de Mauricio em alfabetização, formação em teatro e habilidade em "tirar coisas boas do lixo". Os alunos fazem os fantoches com materiais de sucata que encontram; a tampa da mala torna-se o palco de fantoches. Quando os alunos reclamam que não têm fantasias para encenar as histórias, Mauricio mostra como, com imaginação, podem criar fantasias com o que tem em mãos. Em uma banca de jornal da cidade, Mauricio descobriu uma série de fitas de áudio de contos infantis acompanhados de música popular. Ele encontrou o produtor e comprou dezenas sobre meio ambiente e folclore. Cada mala contém uma dessas fitas, uma fita em branco e um gravador portátil. Os alunos ouvem histórias e gravam as suas próprias, dando uma nova importância à autoexpressão e aos contos locais, ao mesmo tempo que envolvem as crianças intimamente nas origens da literatura. Alunos da Ilha do Bananal, em Mato Grosso, constroem as malas em uma oficina criada por Mauricio. Os alunos da oficina também dividem com o Projeto Mala os lucros que ganham com a venda dos tradicionais brinquedos brasileiros que fabricam com a madeira leve do caule das folhas da palmeira de buriti. Para reforçar a preocupação ecológica, Maurício pede que tirem apenas duas folhas secas de cada árvore para não feri-la. Ele afirma que a madeira arejada do buriti é um ótimo substituto natural para o isopor. Maurício passa a maior parte do ano em Mato Grosso, trabalhando com professores e coordenando a oficina de malas. Sua equipe de apoio é formada principalmente por padres católicos e residentes idosos que continuam o projeto enquanto ele está na estrada. Ele passa alguns meses em Brasília, trabalhando como consultor para ganhar a vida e divulgar suas ideias educacionais. Em Mato Grosso e Brasília, Mauricio representa a Fundação Nacional do Livro para Crianças e Jovens, entidade carioca vinculada a redes internacionais de livros. Ele pesquisa nas redes da fundação novas publicações infantis de todo o mundo para reabastecer as malas.