Desde que Carla Mauch começou a trabalhar com deficientes aos dezesseis anos, ela se inspirou na possibilidade de viver em uma sociedade que vê a “diferença” como um bem, e não um fardo. Carla está fazendo isso promovendo os direitos das pessoas com deficiência com um modelo que utiliza as escolas como catalisadores para mudanças sociais.
Carla nasceu na cidade de Pelotas, no sul do Brasil. Especialmente brilhante, ela concluiu o ensino fundamental aos treze anos: um ano antes da maioria de seus colegas. Depois da escola, ela descobriu a paixão por ensinar e seguiu carreira na área de educação. Durante a sua formação estagiou na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), onde trabalhou como voluntária durante três anos. Muitos de seus amigos e familiares discordaram de sua decisão, pois apenas mães e freiras trabalhavam na APAE, e acreditavam que ela era talentosa demais para trabalhar com crianças com necessidades especiais. Carla não desanimou e aos dezoito anos, tornou-se professora especialista em deficientes mentais e começou a trabalhar na primeira escola pública municipal para alunos com deficiência, Eliseu Paglioli. A escola foi voltada para a reabilitação ao invés do desenvolvimento potencial, com seus esforços focados em alunos que consideravam "treináveis". Durante este tempo, Carla estudou diferentes métodos de ensino e percebeu que esses alunos não eram apenas treináveis, mas poderiam ser educados se seu potencial fosse reconhecido e explorado. Trabalhando com professores e a Secretaria de Educação de Porto Alegre, Carla implementou uma série de atividades que, até então, não eram realizadas com crianças com deficiência. À medida que o grupo avançava, Carla descobriu que o grupo de alunos com deficiência mais grave não apresentava os mesmos avanços que os outros. Ela optou por realizar um projeto piloto para incluir alunos em todos os três níveis de desenvolvimento: os gravemente deficientes, os treináveis e os educáveis. Essa turma heterogênea apresentou resultados significativos, fazendo com que o diretor da escola mudasse todas as turmas a partir daquele momento para incluir alunos dos três níveis. Depois de muitos anos de experiências valiosas e crescimento incrível na Eliseu Paglioli, Carla saiu para fazer o mestrado em São Paulo. Depois de dar continuidade ao trabalho de promoção da inclusão infantil, Carla fundou, o Instituto Paradigma, e elaborou projetos de inclusão econômica e educacional. Em 2005, por diferentes ideias dentro do Instituto, Carla deixou a organização e recomeçou. Ela fundou a More Differences - que tem 60 colaboradores hoje.
A abordagem de Carla para a diversidade não é tradicional; nisso, ela percebe a sociedade como um todo, e não separa os deficientes de afrodescendentes, mulheres ou jovens. Por meio de sua organização, More Differences, Carla implementa programas que utilizam as leis de inclusão de deficientes como oportunidades para empresas e escolas não apenas adaptarem suas rotinas e estruturas para atender às suas demandas, mas também aprender a valorizar as multifacetadas diferenças inerentes ao ser humano . Com uma metodologia de intervenção sistematizada, Carla centra a sua atenção nas escolas; como uma intersecção entre os setores público e privado da sociedade. Em Osasco, município desse programa piloto, 142 escolas funcionam como centros de mobilização do envolvimento comunitário e disseminadoras de políticas públicas nas áreas de educação, saúde, trabalho, planejamento, obras e lazer. Redes de apoio a professores e terapeutas, aliadas a reformas, envolvimento familiar, entre outras iniciativas, fazem parte de uma abordagem sistemática que ganha visibilidade nacional por meio da criação de um Pacto Pró-Educação inclusivo em parceria com a Associação Brasileira de Municípios.
Embora a diversidade cultural do Brasil seja vasta, a sociedade ainda luta com muitas desigualdades; alguns entrincheirados em estruturas sociais. As escolas, por exemplo, são instituições centrais que - de acordo com a Constituição brasileira - devem garantir igualdade de acesso. Na realidade, o sistema educacional se concentra em atender um aluno idealizado e, por isso, exclui aqueles que são diferentes. Qualquer tipo de deficiência dificulta gravemente o acesso a uma educação de alta qualidade. Embora aproximadamente 24,5 milhões de brasileiros (14,5% da população) sofram de deficiência visual, auditiva, física ou mental, nem sempre esses indivíduos têm seus direitos garantidos, principalmente no sistema educacional. O sistema educacional brasileiro carece de meios eficazes para atender às reclamações sobre escolaridade, e muitos alunos são erroneamente considerados deficientes e encaminhados para Serviços de Educação Especial, enquanto outros são igualmente discriminados em programas de educação compensatória. O significado duvidoso de “Educação Especial” é ainda mais complicado pela lei. Tradicionalmente, esse modelo tem se concentrado na educação de alunos em instituições especializadas, como escolas para surdos, cegos ou deficientes mentais - todos fora da escola tradicional. Carla acredita que essa prática de segregação é prejudicial ao tecido da sociedade; pois acentua negativamente a diferença. Essa situação perpetua o desrespeito ao direito dos deficientes à educação e não valoriza a diversidade. Esforços para tornar a educação mais inclusiva têm sido fortemente resistidos por escolas e instituições especializadas, bem como pelos pais de crianças “normais” - ansiosos pela queda da qualidade de sua educação. Nas escolas, a política de inclusão se limita apenas à inserção de alunos com deficiência no sistema regular. No entanto, essa inovação tem a capacidade de ser um agente de mudança positiva.
Carla está criando iniciativas para proporcionar educação universal e diversificada a todos os alunos e para trazer os direitos das pessoas com deficiência para o primeiro plano das políticas públicas municipais. Sua estratégia é transformar a escola municipal, que funciona como lócus de socialização e diálogo entre os setores público e privado. Ao mudar a interação e o relacionamento das escolas com crianças com deficiência, ela espera provocar mudanças. A organização de Carla, Mais Diferenças, implantou o Programa de Educação Inclusiva em 142 escolas públicas do Município de Osasco. O programa prevê a formação de Grupos Temáticos (formados por diferentes Secretarias Municipais e funcionários do Mais Diferenças) para refletir e propor ações voltadas à inclusão de pessoas com deficiência. As discussões em grupo têm como objetivo informar o trabalho dos secretários, ao mesmo tempo que incentivam a rápida tomada de decisões ao trabalhar com os deficientes. Em Osasco, três Grupos Inter-secretariais foram formados com as Secretarias de Educação e Obras, Saúde e Desenvolvimento e Trabalho. Além do trabalho em grupo, a organização de Carla também foca no treinamento. Cursos sobre temas relacionados à deficiência e à educação são oferecidos a gestores municipais, diretores de escolas, professores, alunos, funcionários e familiares. Até o momento, mais de 4.000 participaram dos cursos. Esta formação formativa é constante e a Carla aposta fortemente na Comunicação e Informação para a sua continuidade. A comunicação é o principal meio de promoção e divulgação do Programa para garantir o apoio e a fidelização do poder público. Para isso, Carla criou um jornal, Ação e Inclusão, uma cartilha Treinamento de Inclusão para funcionários de escolas, e uma publicação Educação Inclusiva: De muitos desejos e poucas ações, além de material de apoio para profissionais de educação. Para garantir que as conquistas em Osasco sejam definitivas, Carla incentiva a criação de normas administrativas e o estabelecimento de leis. Até o momento, ela foi diretamente responsável por dois: A criação do Núcleo de Educação Inclusiva e Especial e as normas processuais das Salas de Apoio à Inclusão (SAI). Este último apoia os alunos com deficiência que frequentam as escolas “regulares” a utilizar as Salas de Apoio para complementar os seus estudos, evitando a segregação em escolas especiais. Isso resultou em uma redução no número de escolas especiais - de 26 para 10 - a maioria agora atende principalmente alunos com deficiências graves. Carla também conecta suas ações no âmbito municipal com o nacional, por meio da realização de dois Seminários Internacionais de Desenvolvimento Inclusivo, em parceria com a Secretaria Especial da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SEPED) e o Ministério Público. O objetivo dos seminários é sensibilizar e fortalecer o compromisso das administrações públicas com políticas públicas inclusivas. Além disso, Carla atua na capacitação de juízes e promotores em questões relacionadas ao acesso de crianças e adolescentes com deficiência à educação. Carla firmou parceria com a Associação Brasileira de Municípios (que congrega 3.300 municípios em todo o Brasil) para trabalhar com os candidatos para incluir os direitos das pessoas com deficiência como tema de interesse em suas campanhas de 2008. O primeiro passo foi mobilizar a sociedade civil para a criação de um Manifesto de Educação Pró-Inclusiva, após o qual os candidatos assinaram e se comprometeram com sua implementação. A base do trabalho de Carla é o valor inerente que ela coloca na diversidade. Mais Diferenças não só faz parceria com organizações voltadas para pessoas com deficiência, mas também está envolvida em questões nacionais relativas à diversidade e aos direitos humanos. Atualmente, Carla desenvolve projetos com grupos que lutam pelos direitos dos idosos, GLBTT, mulheres e trabalhadores rurais, com o intuito de promover sua causa, bem como fomentar discussões sobre a necessidade de valorizar e valorizar a “diferença” no interior. sociedade.