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Adalberto Barreto
BrasilAshoka Fellow desde 2008

As políticas de saúde pública ainda se baseiam amplamente no pressuposto de que os profissionais de saúde são o principal recurso para o tratamento de doenças. No entanto, muitas doenças nos países em desenvolvimento são consequência da marginalização e da pobreza. Para enfrentar as raízes do sofrimento, Adalberto Barreto criou a Terapia Comunitária. Por meio dessa metodologia, já utilizada em todo o Brasil, ele comprovou que grande parte das pessoas que sofrem com problemas emocionais e psicológicos nas favelas pode ser tratada pela própria comunidade, reduzindo significativamente a necessidade de tratamento médico. Mais de três milhões de pessoas participaram de suas sessões e 88% delas superaram com sucesso seus problemas por meio da terapia comunitária. Adalberto tem como objetivo desenvolver indicadores de saúde comunitária que aumentem a adesão ao seu modelo e agora busca disseminar sua metodologia na América Latina e na África.

#Polícia da saúde#Brasil#Organização Mundial da Saúde#Atenção primária à saúde#sistema de saúde universal#Saúde pública#Economia saudável#Medicamento

A Pessoa

Adalberto nasceu e foi criado no Nordeste do Brasil, onde teve seu primeiro contato com curandeiros ou curandeiros: um grupo de homens e mulheres que dedicou suas vidas ao cuidado dos pobres e enfermos. Cada um tinha uma forma diferente de lutar contra a doença e o sofrimento: os rezadeiras, ou adoradores, faziam orações sagradas; os raizeiros, ou doutores de raízes, usavam raízes e cascas de árvores como remédios; umbandistas usavam rituais musicais, danças e cantos. Sua experiência com esses curandeiros é o que levou Adalberto a se tornar padre. Após terminar o ensino religioso, Adalberto seguiu a carreira médica e, após retornar ao Brasil após um período de 12 anos no exterior, realizou pesquisas que mostraram o importante papel dos curandeiros no sistema de saúde local. Para combater as altas taxas de mortalidade da região, por exemplo, Adalberto tinha certeza de que precisava desenvolver um programa de inserção dos curandeiros no circuito médico. Como resultado, ele ingressou na Faculdade Federal de Medicina como professor em 1983 e criou uma disciplina totalmente nova chamada Antropologia da Saúde, na qual era ensinada na favela e buscava unir os dois mundos da ciência e da cultura. Tendo vivenciado o mundo dos saberes e crenças populares e adquirido os conhecimentos técnicos e científicos necessários, Adalberto conseguiu romper com o preconceito existente nos dois mundos. Aqui, suas fortes credenciais acadêmicas - um doutorado em psiquiatria pela Universidade de Paris em 1982 e um doutorado em antropologia pela Universidade de Lyon o ajudaram muito, dando-lhe a legitimidade para trabalhar revelando a importância das parteiras (obstetras tradicionais), o valor dos raizeiros e rezadeiras, o tratamento cultural da morte, conflitos conjugais e disputas de vizinhança. Apesar de mais de vinte anos de intensa dedicação para desenvolver e disseminar a Terapia Comunitária com pouco apoio financeiro fora das comunidades, Adalberto insiste que todo esse trabalho é fruto do esforço coletivo e não da mente de um único indivíduo. Para ele, o segredo do sucesso ainda é a valorização dos recursos culturais locais, a abertura ao inesperado, a criatividade, a participação da comunidade e a crença nas habilidades do indivíduo, da família e da comunidade.

A Nova Idéia

As políticas de saúde pública ainda se baseiam amplamente no pressuposto de que os profissionais de saúde são os principais veículos para o tratamento de doenças, apesar do fato de que muitas, senão a maioria, das doenças nos países em desenvolvimento são consequência da vulnerabilidade social e da pobreza. A fim de abordar as causas profundas dos problemas enfrentados pelos indivíduos, Adalberto criou a Terapia Comunitária para prestar cuidados comunitários com base no conhecimento social e acadêmico. Em parceria com as comunidades, Adalberto construiu a metodologia da Terapia Comunitária primeiro na favela de Fortaleza. O programa consistia em uma ampla gama de componentes, incluindo círculos de terapia coletiva, “farmácias ao vivo” e casas de cura com tratamentos complementares. Ao longo de todo o processo, recebeu o reconhecimento e apoio técnico da Universidade Federal do Ceará e tem colocado seus esforços em linha com as políticas públicas de saúde. Para disseminar adequadamente essa nova abordagem de tratamento social das doenças e controle de qualidade, Adalberto patenteou sua metodologia e criou a Associação Brasileira de Terapia Comunitária. Por meio da Associação, ele criou 36 unidades de ensino de terapeutas em todo o Brasil, que já capacitaram quase 12 mil pessoas na metodologia. Adalberto foi reconhecido pelo Ministério da Saúde nacional que firmou parceria para capacitar 1.100 profissionais de saúde em Terapia Comunitária. Em última instância, ele espera levar a Terapia Comunitária para outros países da América Latina, assim como para a África que também possui grandes reservas de riquezas culturais e tradicionais, e ainda enfrenta problemas de extrema vulnerabilidade social.

O problema

Em 1940, 70 por cento da população brasileira vivia no campo, enquanto hoje, 82 por cento dos brasileiros vivem em áreas urbanas. Essa migração urbana rápida e intensa levou à fragmentação das redes sociais e arrastou muitos para a pobreza quase permanente. A rápida urbanização também resultou em novos valores e hábitos que negam o conhecimento tradicional, tornando difícil reconstruir as poderosas redes sociais que existiam antes da urbanização. A vulnerabilidade social e a baixa autoestima que resultaram dessa mudança geraram grande sofrimento para os brasileiros, que vão desde doenças emocionais a físicas. A Organização Mundial da Saúde afirma hoje que o estresse influencia negativamente a saúde de maneiras que são exacerbadas quando os indivíduos carecem de redes de apoio social. Em consonância com o processo de urbanização e modernização, o Governo e os setores acadêmicos se concentraram nos efeitos dessas enfermidades ao invés de prevenir suas causas. Essa abordagem, com sua concomitante ênfase no conhecimento acadêmico, alto uso de medicamentos e especialização médica, naturalmente veio com um custo muito alto. Em 1994, o Governo Brasileiro implantou o Programa Saúde da Família (PSF) para reorientar o modelo de assistência social por meio da criação de equipes multiprofissionais atuando nas unidades básicas de saúde. O PSF está amplamente difundido no Brasil e suas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um determinado número de famílias no que se refere à promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, principalmente das doenças mais comuns. No entanto, apesar dos esforços positivos dos profissionais de saúde do PSF, ainda falta preparo para lidar com o estresse que muitas vezes causa e agrava a doença. Além disso, a unidade de saúde funciona como um elemento externo à comunidade onde atua. Assim, o modelo de tratamento do PSF não valoriza ou reconhece adequadamente os saberes dos curandeiros tradicionais como rezadeiras (adoradores), curandeiras (curandeiros naturais), raizeiros (doutores de raiz), pajés (xamãs indígenas), mães de santo (afro- Religiosas brasileiras) e outras pessoas sem formação científica ou acadêmica formal.

A Estratégia

Depois de voltar dos estudos de medicina e antropologia na França há vinte anos, Adalberto começou a trabalhar como voluntário em uma favela de Fortaleza, onde viu que a maioria das pessoas que buscavam tratamento sofria de problemas emocionais que os medicamentos por si só não resolviam. Após decidir que não queria exercer psiquiatria em um hospital, onde se diagnosticam doenças e se prescrevem remédios, Adalberto perseguiu seu desejo de promover a saúde pública combinando ciência com saberes populares baseados nas tradições culturais locais. Depois de realizar uma pesquisa mostrando que os curandeiros locais que usam ervas e outros remédios culturais tradicionais têm um impacto positivo na saúde da comunidade, ele desenvolveu o modelo de Terapia Comunitária para remover barreiras à obtenção de reconhecimento acadêmico e apoio governamental. Um dos princípios da Terapia Comunitária é a criação de espaços nos quais as pessoas possam expressar suas emoções e sentimentos sem risco de serem julgadas. Nestes espaços, que podem ir desde uma roda de terapia coletiva ou um banho de ervas, são valorizadas as histórias de vida dos participantes, ampliada a percepção dos problemas e trazidas soluções baseadas nas competências locais, reforçando a autoestima. O Projeto Quatro Paus de Fortaleza é o epicentro do modelo de Terapia Comunitária e o projeto de referência para outros espaços onde a Terapia Comunitária é implantada. Aqui, Adalberto começou criando vários componentes diferentes: O círculo de terapia comunitária, a “farmácia viva”, espaços de educação artística para crianças, uma casa de cura e uma casa de memórias. Em sessões de terapia comunitária, as pessoas compartilham suas experiências em grupos de 30 a 40, aprendem umas com as outras e gradualmente lidam com problemas em suas famílias e vizinhanças, incluindo alcoolismo, violência familiar, depressão e insônia. Confiando uns nos outros em vez de em especialistas externos, eles gradualmente recuperam seu próprio valor. Outro elemento importante é a Casa de Cura e Relaxamento, que recebe pessoas encaminhadas pelo PSF. A Casa atende pessoas com estresse, insônia e depressão que precisam de cuidados individualizados e complementares com massagens terapêuticas, banhos de ervas e outros tratamentos populares. A Farmácia Viva - projeto desenvolvido com a Universidade do Ceará - fornece ervas curativas cuidadosamente selecionadas e cultivadas. A comunidade participa não apenas compartilhando conhecimentos tradicionais, mas também trazendo garrafas e copos vazios para processamento e venda. Este recurso foi a principal fonte de receita do projeto por muitos anos. Adalberto desenvolveu o Projeto Quatro Varas contando com recursos da própria comunidade, apoio acadêmico da Universidade Federal do Ceará e iniciativas de saúde pública formuladas pela Prefeitura. Essa combinação de sustentabilidade local, apoio científico e interação com iniciativas públicas é parte integrante de todos os programas de Terapia Comunitária. Por meio desse projeto, Adalberto transformou um problema em oportunidade. Em pesquisas conduzidas em 10.000 círculos de terapia comunitária e 100.000 consultas, 88 por cento dos participantes experimentaram melhorias por meio da terapia comunitária e seu sistema de apoio. Com base nas descobertas da pesquisa e no sucesso de mais de 600 mil sessões terapêuticas, Adalberto conseguiu que a terapia comunitária fosse aprovada como política de saúde pública nacional, onde treinará 1.100 funcionários públicos da saúde pública e da assistência social. Além dos treinamentos no Brasil, duas cidades francesas já adotaram a metodologia. Segundo Adalberto, a Europa não sofre de miséria econômica, mas de “problemas existenciais”, carecendo de técnicas eficazes de intervenção em grupo para criar vínculos e superar a intolerância. Apesar do grande potencial de difusão na Europa, Adalberto sonha em divulgar sua metodologia pela América Latina e África. Ele já recebeu convites do México e de dois países africanos e, em conjunto com esses planos, busca desenvolver indicadores de saúde comunitária para aprofundar a abordagem científica e o reconhecimento social da terapia comunitária.