Joel Rufino dos Santos
BrasilAshoka Fellow desde 1987

Ashoka comemora e celebra a vida e o trabalho deste Ashoka Fellow falecido.

Joel Rufino é historiador, autor infantil, educador de pobres e respeitado membro da comunidade negra brasileira. Como um Ashoka Fellow, ele está transformando sua experiência e habilidades no desenvolvimento de materiais de instrução culturalmente apropriados que funcionarão tanto para alunos negros e pobres quanto para alunos que abandonaram a escola.

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A Pessoa

Joel foi um dos oito filhos de uma família negra no nordeste do Brasil. Quando criança, ele foi ensinado por professores de classe média que tinham pouca compreensão e empatia por sua formação cultural, muito menos pela vida que ele e seus amigos estavam vivenciando. O sistema educacional e os materiais escolares foram todos orientados para a "família brasileira modelo" - uma família branca de classe média alta. A própria formação e experiência de Joel como professor confirmaram a sua convicção de que existe uma necessidade urgente de adaptar os materiais escolares à realidade imediata das crianças - não apenas para facilitar a aprendizagem, mas também para fortalecer a sua auto-estima e orgulho da sua herança. Joel Rufino está equipado de forma única para desenvolver esses materiais. Ele é um historiador negro cujos livros sobre o papel do negro na história do Brasil são muito respeitados. Ele também é um autor de sucesso de livros infantis - livros que se baseiam fortemente na rica herança de contos, mitos e tradições negras e indígenas do Brasil. Agora, como um Ashoka Fellow, Joel está combinando seus talentos como autor e historiador para desenvolver leitores básicos com os quais crianças desfavorecidas podem se identificar e que se inspiram diretamente em sua herança. O "laboratório" de Joel é a Escola Tia Ciata, em homenagem a uma importante matriarca negra dos anos 1920. Tia Ciata atende meninos de rua: a subcultura de mendigos, catadores, ladrões, prostitutas, traficantes de drogas, engraxates e outros que vacilam à margem da sociedade carioca. Essas crianças têm muito em comum: vêm de famílias empobrecidas e freqüentemente desfeitas; muitos foram abandonados; são analfabetos que abandonaram a escola; 90% são negros ou pardos. Nos círculos pedagógicos, eles são vistos com desdém e geralmente são considerados incapazes de aprender. Tia Ciata prova o contrário. O segredo é adaptar a escola ao ambiente da própria criança. Tia Ciata é uma escola experimental sem aulas e sem exames. Seu objetivo é ensinar os alunos a ler e escrever e fazer matemática básica. E sua abordagem depende tanto dos alunos quanto dos professores. Joel é um de seus coordenadores voluntários. Ele ensina e aprende com esse ambiente único, refinando sua abordagem e reunindo materiais para seus livros. Joel começou observando o comportamento das crianças na Tia Ciata: sua resistência às formalidades da sala de aula, sua necessidade de "possuir" um livro, suas formas de interagir com professores e colegas. Por meio dessa observação, Joel começou a compreender como esses alunos "vivem a experiência literária". Munido desse conhecimento, Joel assumiu um papel mais ativo. Ele estabeleceu um "workshop" literário na escola e assumiu o papel de Master Story Teller. Os alunos são seus aprendizes. Baseando-se nos segredos desta forma de arte consagrada pelo tempo, as crianças se transformam em contadores de histórias vívidos, cronistas de histórias, repórteres de bairros vivos e favelas. Desta forma, eles são estimulados e encorajados a aprender as habilidades básicas necessárias para transformar suas narrativas comoventes e criativas em histórias escritas. O orgulho de autoria e de aprendizagem ajuda a superar os obstáculos de aprendizagem gerados pela pobreza, raça e um ambiente escolar estranho. Este é o segredo do Joel. José foi um dos primeiros alunos de Joel. Ele era um ladrão analfabeto de um lar desfeito. Desde o início, José mostrou um surpreendente talento narrativo, contando uma série de histórias comoventes cujos temas centrais giravam em torno do abandono, da vingança e da polícia. José estava se valendo de suas próprias experiências pessoais para tecer suas histórias. Joel utilizou esse talento para acender a imaginação do menino e educá-lo. Está funcionando. Nem todas as crianças são tão prolíficas quanto José, mas todas têm algo a contar. Joel está alcançando-os por meio de suas histórias. Na Tia Ciata, as vivências do quotidiano também são motivo de discussão, dramatização e desenho fotográfico. Por exemplo, se um aluno for pego roubando, a classe pode fazer um julgamento com advogados de defesa, juízes, vítimas e famílias como meio de investigar questões básicas de moralidade. Joel também trabalha com professores. Ele explica a eles o "background cultural" das crianças desfavorecidas e incentiva o desenvolvimento de "ferramentas" pedagógicas e abordagens necessárias para se relacionar com as crianças. Para Joel, pobreza, marginalização, abandono - todo o conjunto de valores e símbolos da subcultura - caracterizam as crianças de rua e são a chave para alcançá-las e educá-las. Os materiais que ele está desenvolvendo para professores e crianças baseiam-se nesse ambiente e também na história negra, nos contos africanos e nas tradições nativas. Os materiais para as crianças vêm com guias de professores e oferecem conselhos pragmáticos sobre como planejar, apresentar e acompanhar as sessões de aprendizagem. O trabalho inovador de Joel Rufino e seu potencial de impacto social significativo estão começando a chamar a atenção dos educadores brasileiros. Ele foi convidado para dar uma palestra sobre seu trabalho por universidades, ministérios e comissões municipais e estaduais e a Fundação Nacional do Livro. O momento não poderia ser melhor, já que 1988 é a comemoração do centenário da emancipação dos escravos no Brasil, sendo o Brasil o último país a libertar seus escravos. Joel espera que a sociedade brasileira venha a compreender, com a celebração deste evento, a necessidade de um segundo e igualmente profundo esforço para emancipar sua população negra dos laços da pobreza, da ignorância e do preconceito cultural.